FRENTE NACIONAL CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DAS
MULHERES
E PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

CRIMINALIZAÇÃO

A nossa luta se direciona para as diversas mulheres que são perseguidas, humilhadas e oprimidas ao acessarem a prática do aborto no Brasil. É importante salientar que desde 1940 a legislação sobre aborto permanece em vigência sem alterações. Nesse contexto, as mulheres negras são as mais afetadas, condenadas às saídas clandestinas que põem em risco sua integridade física e psíquica.

Quais vidas importam? É nítido que as funções assassinas do Estado atuam através da regulação e distribuição de morte, remontando práticas colonizatórias onde as mulheres negras brasileiras são submetidas às variadas formas de violência até os dias de hoje. A falta de acesso ao sistema de justiça e a direitos básicos por parte da população negra é uma questão que nunca foi sanada.

O objetivo do Estado e dos setores conservadores é de punir as mulheres, utilizando mecanismos de dominação e técnicas de controle organizadas em tramas de poder que invadem os corpos. Somado a isso, vivemos em um contexto onde projetos de lei criminalizam cada vez mais as mulheres. Há uma política em andamento que tem o intuito de gerar terror e desinformação. Foram desenvolvidos dispositivos de vigilância, capazes de introduzir a culpa e causar remorsos pelos atos que desviem do que o sistema considera “correto” (ou permitido?).

A criminalização do aborto no Brasil mata as mulheres, pois através da falta da estrutura da segurança da saúde pública, a mulher tende a colocar sua vida em risco por não poder contar com uma rede acessível, ou seja, tornando um processo inseguro dos serviços essenciais e por sofrer retrocessos.

Sobre isso, é importante lembrar que a ação de criminalizar é uma prática política recorrente de todos os sistemas de dominação, de todas as estruturas de poder que oprimem e perseguem. Nesse sentido, é perceptível que a criminalização é uma política fracassada, pois não impede a realização do aborto, mas empurram as mulheres para os campos da ilegalidade. Ao abortar, mulheres desobedecem à ordem patriarcal e desestabilizam este sistema de dominação.

A criminalização ocorrida pela prática de aborto aponta para um perfil de mulheres, e elas são majoritariamente jovens, se encontram na situação de desempregadas, estão em situação de um trabalho informal, e elas são mulheres negras, periféricas, em com baixa escolaridade, (p.74) o Dossiê trás os dados das pesquisas realizadas na cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo, e ocorre em diferentes épocas, e com metodologias compreendidas como diversas, e para mais detalhes no item do Dossiê “3.1 Quem são as mulheres criminalizadas”, p. 74.

A luta pela descriminalização leva em consideração a leitura da realidade do abortamento, quando se trata sobre justiça, democracia e desigualdades sociais, sabendo que a criminalização do aborto não impede o aborto de ocorrer. 

Na contramão da criminalização, exigimos uma política de justiça reprodutiva e sexual que atenda de modo integral os meios de proteção à saúde, prevenção, de concepção e anticoncepção. A maternidade deve ser uma escolha e não uma incumbência. Maternidade não é destino, é uma decisão livre e pretendida. Nenhuma mulher deve ser obrigada a ser mãe assim como nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe.

Exigir que o aborto seja descriminalizado no Brasil é portanto, uma questão que vai além de um posicionamento contra ou a favor da prática. É necessário admitir que a questão do aborto é um caso complexo de saúde e justiça e que a criminalização mata diversas mulheres todos os dias. No ano de 2008 -2014 é apontada como uma “marcha ré”, localizando uma fase em que o Legislativo rejeita a proposta da descriminalização do aborto, e recentemente a deputada pró-vida Chris Tonietto do PSL-RJ dá entrada no Projeto de Lei 434/21 em o Estatuto do nascituro, dê o direito integral do nascituro, ou seja, independente da mulher sofrer uma violência sexual ela estaria enquadrada em atender à esta lei, sem poder realizar a intervenção do abortamento, como uma prescrição até então do código penal de 1940, e sobre as circunstâncias de aborto em caso de violação sexual, do estupro, e de risco para a gestante.

O Brasil é um país constituído de estruturas racistas, e dentro deste quadro de leitura política social, as mulheres negras e pobres são as mais desfavorecidas, imersas nas vulnerabilidades sociais, como a renda, raça, local de moradia, grau de escolarização e outros marcadores sociais impactam, sobretudo na segurança da preservação das suas próprias vidas, quando em caso de abortamento. O aborto é uma prática que ocorre na esfera social independente das classes sociais, mas que intensifica os riscos de vida quando fragiliza o acesso dos serviços públicos de saúde para as mulheres pobres.

É necessário que possamos insistir nesta imagem gritante das diferenças das classes sociais, em que a mulher negra e pobre está inserida em um sistema de práticas de violências estruturais: sem acesso direto a uma rede de saúde, que garanta a escolha sobre a interrupção de uma gravidez necessária, e não a criminalize, o que vem a contribuir no autoabortamento e no aborto clandestino, e ao risco eminente da vida destas mulheres.

Desse modo, a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto busca contribuir para a construção de outro mundo possível, onde nenhuma mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto!

Este rigor punitivo nos corpos das mulheres também está diretamente ligado ao fundamentalismo religioso, que insiste sistematicamente em negar a ciência, desprezar o conhecimento e impor sua crença a todas as mulheres sob o lema de “proteger a vida”. As ações perversas dos grupos religiosos colocam em xeque a ideia de Estado laico, democrático e de direito.

Não é possível esquivar do fato de que existem diversos agentes responsáveis na prática do aborto. A questão do aborto não pode ser essencializada e reduzida ao ponto do encargo recair somente sobre as mulheres, afinal, há uma série de fatores sociais que não são admitidos ou responsabilizados. A decisão de levar uma gravidez adiante ou não atravessa reflexões sobre condições financeiras, e experiências mediadas por coerções, seja no âmbito do trabalho, da família ou da religião.